terça-feira, 12 de outubro de 2010

No Brasil, a má alimentação é uma questão de classe?

        No Brasil de hoje, encontramos um ponto positivo: a democracia alimentar. Todos nós comemos mal. Variando as circunstâncias,o padrão continua inalterável.
       País de dimensões continentais e situação sócio-econômica díspare, que desaguam em realidades contundentes, fácil é constatar o que existe dentro de tão estremecente caldeirão.
        Em 1850 o solo brasileiro já havia perdido 50% de sua floresta atlântica, realidade que apontou o tipo de estrutura desenrolada no cenário riquíssimo, e que atingiu a população já no alvorecer de sua personalidade étnica.Os ciclos da natureza foram submetidos aos ciclos das ambições do mercantilismo, do qual fomos (o novo mundo) patronesses e mantenedores terrivelmente eficazes. Nossos traços foram esboçados na idéia da exclusão de modos de produção de mercadorias, das fomes que pontilham nossos caminhos desde então, das carências de afeto, de saúde, de soluções, de consistência no discurso e na praxis.
        A saúde alimentar? O que é a feijoada? É a cultura que veio da Europa, mas o que a casa grande não queria, ía pra panela da escravaria. Assim começou a ser acrescentada ao feijão a parte considerada menos nobre do porco: rabos, joelhos, orelhas e focinhos. A gastronomia brasileira ganhou seu primeiro prato típico. E o corpo, seus primeiros problemas de saúde.
        A exploração sistemática dos recursos naturais, abundantes e diversificados, da flora e fauna riquíssimas em conteúdo terapêutico, nos faz representar, às vésperas de alguma hecatombe, o paraíso monocultor do planeta. Hoje o país detém apenas 3% do originas da mata atlântica. Temos 350 milhões de hectares cultiváveis, dos quais apenas 14% produzem.
        A par disso, floresceu no Brasil colonial, a função floral da cura doméstica. A grande matéria prima desse processo, a floresta, conseguia repor, em um grande ciclo cósmico, as propriedades nutricionais, climáticas e sazonais das plantas e ervas.
        Os dois grupos mais ajustados à cultura agrícola, o negro e o índio, desenvolveram brilhante receituário oral da flora medicinal compilado mais tarde por pesquisadores europeus aqui aportados com o intuito de catalogar as plantas e suas funções terapêuticas, discriminando o uso e a forma de aplicação de cada uma delas, bons aprendizes que foram de nossos caboclos. Com o uso de infusões, beberagens e emplastos de origem vegetal, os indios e negros procuravam exorcizar as doenças que os incomodavam e dizimavam os demais habitantes.
        Os modelos de sobrevivência autóctone , no que concerne à alimentação, foram suplantados pelos modelos de produção em série. E, já que somos o que comemos, a população ficou marcada por disfunções que, através dos séculos, tornou-se o diferencial social do povo pobre, que representa bem o mito de prometeu acorrentado, sem asas para voar e poder traçar caminhos com menos enigmas e horizontes mais luminosos. A carência alimentar repercute sobre a economia geral. É quando passamos a viver de insuficiências, não conseguindo transformar nossas deficiências em algo aproveitável e que nos dê status de país viável.
        Temos uma das lavouras mais poluídas do mundo. O BANCO DO BRASIL concede empréstimos somente a lavradores que utilizem agrotóxicos. Nossa assistência médica, atrelada às multinacionais dos remédios, evidencia a mentalidade da exclusão o povo, em busca de um equilíbrio que se perdeu, endireita os quadris e parte para as chamadas terapias informais.
        Voltando à discurssão alimentar, o processo, porque antigo, perpassa todas as classes e posições, incluindo qualquer intermediário que, por acaso, entre nesse saco de gatos. O padrão alimentar, tendo como forte aliado os meios de comunicação, espalhou-se como vento ruim que leva em seu bojo todas as pestes. Sabe aquele iogurte que, ao invés da fruta trás uma tinta que imita à perfeição o gosto da mesma? E aquele franguinho carregado de hormônios? E os alimentos em latas e os importados, sem os mínimos requisitos nutricionais, mas que dão status.
        Bem, forçoso é dividirmos os termos: o pobre come pouco e mal. O rico come muito e pior ainda, pois peca (já que tem posses) pelo excesso.
        Como em alguns sistemas políticos, a democracia representa muito para uns e pouco para outros. Na alimentação, peça de encaixe fundamental para o bom desempenho da máquina, a frase ultrapassa sua verdade. Por que? Nas camadas mais privilegiadas economicamente há predominância de alimentos mortos a opulência levando ao desfalque da vitalidade, existindo porém a variedade que funciona como compensação ao estresse fisiológico. De seu cardápio constam frutas, legumes, verduras, cereais, castanhas, raízes, leguminosas, num banquete farto, fato que, muitas vezes, os afasta das depressões oriundas da falta de nutrientes básicos, mas que releva o previlégio perverso de comida abundante para poucos, deixando a incômoda impressão de que o país funciona somente para alguns. E que exige, dentro de discursos ufanistas, a colaboração de todos
        Dizem que as crises sempre geram soluções. Nas zonas rurais existe (infelizmente pouco aproveitado) espaço para manobra social, sendo a roça doméstica, as árvores frutíveras nas estradas, o teste da capacidade de sobrevivência do ser humano. Só que esta representa parte da solução da fome da população carente. E que na verdade, revela-se uma solução esquálida, amostra do pauperismo de luz baça, que indica o caminho estreito da estrada, sem a luminosidade da abundância.
        OBS: Vejam uma informação do professor e compositor PAULO EMÍLIO VANZOLINE, publicada pela revista época, em 24 de fevereiro de 2003
        O naturalista ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA, nasceu na BAHIA (1775 + ou menos). O farto e rico material por ele obtido em suas peregrinações foi roubado porque o prometido apoio do império para publicar suas descobertas, foi adiado seguidas vezes, ficando à mercê do roubo por parte dos exércitos napoleônicos, tendo caído nas mãos do naturalista Saint-Hilaire, a quem couberam os louros pelas descobertas. Graças a esse espólio, Ferreira caiu em depressão profunda, ficando inválido até a morte, ocorrida em 1815.

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