quinta-feira, 13 de outubro de 2016

A saúde vem da nossa ancestralidade

          Vou contar uma história - trágica  - contada por um amigo muito querido, ainda escandalizado um bocado de tempo após o acontecido. O fato se deu em São Luis, Maranhão, cidade linda mas acossada por misérias - humana (muitas doenças), social (pobreza sem limite nem data de melhora). Estava em um bairro "bravo" da periferia aplicando uma pesquisa de mercado e resolveu, ao término dessa, voltar de ônibus economizando os trocados do táxi, pago pela empresa. Foi despertado do cochilo com um grito: oi gente, hoje é meu aniversário e todos vocês vão cantar parabéns e me dar presentes. Aterrorizados, os passageiros cantaram parabéns e, um a um, entregaram celulares, dinheiro, bijuterias, mochilas e até um tênis, um pouco mais caro que outros. Quando ele e o comparsa já saiam com o butim, partiu um tiro do fundo do coletivo que varou as costas do ladrão indo parar na cabeça da cobradora. Imagino a confusão - gritos, desmaios, desesperos sem fim. O acontecido, realmente muito trágico, me remeteu ao passado colonial, fonte de outros trágicos futuros, construídos com matéria prima humana - sangue, pele, ossos, cérebro e, infelizmente, o futuro de milhares de seres aterrorizados e massacrados no dia-a-dia dos grotões perdidos na imensidão das terras ocupadas. Os bebes negros não podiam ser alimentados pelas mães, o leite era para os filhos da patroa, mas mesmo quando não havia as crianças da senhora, a escrava não podia alimentar os filhos. Esses comiam o que os outros escravos lhes davam de passagem. Paravam de chorar, no canto onde estavam, quando dormiam. Então, a saúde mental do povo brasileiro deriva diretamente desse passado escabroso, tornando-se vítima preferencial dos estímulos medicamentosos, desestimulando o uso dos remédios secularmente utilizados, inclusive na época do processo escravista, que são as ervas, a argila, a água, com as pomadas caseiras, os fomentos das ervas etc.
             O povo, construído emocionalmente com a matéria da dor e do desespero, é esse que perambula pelos caminhos, sem chances e conduzidos ainda pela chibata, mais modernizada, atualizada. Mudar está difícil, a própria senzala, condicionada pelas religiões monoteístas, ou seja, o capitalismo com sua acumulação do capital, transformou-se em mercadoria dócil e manejável, perdendo seu ethos, a identidade que seria seu sustento cultural e emocional.
            Qual a solução? Estamos procurando.                                             

Nenhum comentário:

Postar um comentário